INQUIETAÇÃO
“O verdadeiro revolucionário é
aquele que liberta o mundo e o torna a prender, para lhe dar uma nova
oportunidade de vida… É a estes criadores que o universo deve a sua existência
e a sua forma através dos séculos”
Jean Bazaine
Não
foi de todo inocente a escolha destas palavras deste pintor da Escola de Paris
para abrir a nossa singela reflexão sobre a obra de Vitor Zapa, pois me parece
que elas encerram em síntese o admirável processo criativo do pintor.
Torna-se
complicado, em poucas palavras, destrinçar o complexo mundo de Vitor Zapa. Mais
inútil ainda encerrá-lo numa corrente ou escola. Como muitos artistas de forte
personalidade, Vitor Zapa está muito para lá de qualquer catalogação. E a sua
arte muito para lá do próprio artista.
Basta-nos
percorrer os olhos pela história da arte ocidental – desde Bosch, por exemplo –
para encontrar um certo fio condutor que nos conduza ao universo fantástico
deste pintor. Mas é sobretudo em certos artistas do Expressionismo alemão que a
nossa atenção se fixa mais demoradamente.
Muito
se tem dito e questionado sobre este complexo e altamente abrangente movimento
estético do início do séc. XX, e que alguns questionam inclusive a própria legitimidade
como movimento artístico. O que é certo é que nele vemos entroncar a Bauhaus,
essa extraordinária escola de arte que moldou todo o séc. XX, bem como
Kandinsky, que dele partiu para a aventura abstracta, e Klee, a quem a
experiência tunisina com Moilliet e Macke marcará de forma radical,
trazendo-lhe a revelação da cor. No seio deste movimento vamos encontrar
artistas como Ensor e Munch, cuja sátira social e ironia nos serviriam ao nosso
propósito, ou Groz e Otto Dix, mais envolvidos com a causa social e a luta
política, bem como os pacifistas Meidner e Feininger, empenhados em devolver a
paz social pela harmonia e pela arte. Mas é sobretudo o intrigante Max Beckmann
quem mais nos surge na memória ao observar as obras de Vitor Zapa. Deste artista,
que no pós-guerra abandona os cenários de declínio social para se centrar no
indivíduo, na sua situação, na sua impotência e abandono num mundo cruel e
violento – e que por isso se recusa simultaneamente a todas as generalizações
ideológicas, ao contrário de Groz e Dix -, chama-nos a atenção uma obra
singular, “A Noite”, obra inquietante que carece ainda de uma interpretação
séria por parte da crítica. Nela, a violência, o caos e o sofrimento do povo
ganham forma. A perspectiva parece quebrada e distorcida. As linhas e
superfícies extremamente nítidas e claras da composição e a luz irreal acentuam
a expressão de violência que domina a obra sem que o artista pretenda com isso
acentuar o ocasional acto violento - um assalto - que o motiva (parece-nos
estar a descrever um qualquer quadro de Vitor Zapa…). Nesta obra, as metáforas
pessoais de Beckmann misturam-se com os símbolos tradicionais da História da
Arte, transformando-a numa metáfora para o mistério de toda a humanidade.
Estão
lançadas assim, parece-me, as premissas para uma compreensão da pintura
fantástica de Vitor Zapa. O pintor parece querer desenrolar as suas metáforas
de histórias pessoais e da História no palco de um “teatro mundial”, em que se
converte cada uma das suas telas. Esta permanente sátira do quotidiano, irónica
ou denunciante, propõe uma visão para lá da simples crítica ou revolta social.
O Artista parece oferecer “um universo alternativo – como muito bem refere Luiz
Morgadinho numa nota crítica sobre o pintor – onde se mesclam paixões e medos”.
A sua missão existencial parece ser dar ao homem um retrato do seu destino.
Terminada a catarse, permanece o quadro: uma superfície plana, plena de
harmonia e inquietação…
Termino
esta breve reflexão com mais uma citação. É de Marcel Gromaire, numa entrevista
de 1950: “O Expressionismo moderno não se concebe sem um gosto frequentemente
mórbido da deformação. Nega o estilo em proveito da estilização instintiva. Os
melhores quadros expressionistas são gritos desesperados. Quanto melhores são,
menos analisáveis.” …
Guimarães,
Abril de 2013
Alberto
D’Assumpção
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